Das delicadezas do amor

Um acúmulo bonito de coisas que não consigo nem mostrar.

25 de abril de 2016

"Ser uma mulher negra e feminista em um relacionamento hétero é um misto de incompletude, abuso, inquietação e culpa. É uma prisão que a minha consciência de que todo relacionamento heterossexual será, em algum nível, abusivo não me blinde de me apaixonar por homens. Cada vez mais em relacionamentos heterossexuais eu sou colocada diante de uma verdade dura que eu não queria realmente acreditar: os homens não amam as mulheres.
Não, os homens não nos amam, não são capazes de algo tão grande por nós. Não são capazes de se deixar por nós, de se abandonar, de abandonar seu lugar de privilégios por nós.
No fim os homens sempre vão agir se priorizando, foi o que eles aprenderam a fazer, e a gente sempre vai agir se secundarizando, é o que a gente aprendeu a fazer. A manipulação masculina se apresentará de formas sutis: frieza, chantagem emocional, silêncio. E, se não estivermos atentas, nosso amor servirá à manutenção do patriarcado, e a manipulação masculina será capaz de inverter o sentimento de culpa sempre pro nosso lado.
O “amor” masculino precisa da nossa obediência, subserviência, da nossa submissão e servidão sexual pra se manter. O “amor” masculino é muito necessitado da nossa objetificação, consequentemente, da nossa desumanização. O “amor” masculino é algo muito despreocupado com o nosso cuidado, com os nossos sentimentos. O “amor” masculino é extremamente volátil e egoísta, é algo capaz de sumir num passe de mágica em nome da manutenção dos próprios privilégios.
E foi nesse processo de vivência de todas as nuances em que pode se apresentar o abuso e a manipulação masculina dentro de relacionamentos heterossexuais, que eu por fim entendi. Entendi que devo matar essa beleza dentro de mim, devo resistir à feminilidade que me foi imposta e me colocar sempre em primeiro lugar. Devo me priorizar, me ouvir, estar atenta aos meus sinais. Devo parar de me preocupar com os homens de uma forma que eles jamais serão capazes de se preocupar comigo. Dentro de um relacionamento heterossexual, devo ser mais egoísta, devo reverter grande parte do meu cuidado com o outro em auto cuidado. Devo ser “complicada” “difícil” e “exigente”, porque tudo isso é por mim.
Um homem que quisesse nos amar deveria entender tudo isso, deverá entender que a assimetria socialmente imposta pede como resposta que tentemos construir, em esfera micropolítica, um relacionamento contrariamente assimétrico. Devemos resistir aos comportamentos padrão de feminilidade e masculinidade para tentar tornar a relação homem-mulher não-sistematicamente abusiva. Os homens deverão sim priorizar sempre o que a gente sente com relação ao que eles fazem, e não sempre jogar de novo nas nossas costas o peso e a responsabilidade de lidarmos sozinhas com as nossas inseguranças.
Isso não é amor, isso é egoísmo , isso é controle e isso é domínio masculino."

20 de abril de 2016

Coragem, querido coração!

27 de fevereiro de 2015

"A minha avó dizia-me que quando uma mulher se sentisse triste, o melhor que podia fazer era entrançar o seu cabelo; de modo que a dor ficasse presa no cabelo e não pudesse atingir o resto do corpo. Havia que ter cuidado para que a tristeza não entrasse nos olhos, porque iria fazer com que chorassem, também não era bom deixar entrar a tristeza nos nossos lábios porque iria forçá-los a dizer coisas que não eram verdadeiras, que também não se metesse nas mãos porque se pode deixar tostar demais o café ou queimar a massa. Porque a tristeza gosta do sabor amargo.
Quando te sintas triste menina- dizia a minha avó- entrança o cabelo, prende a dor na madeixa e deixa escapar o cabelo solto quando o vento do norte sopre com força. O nosso cabelo é uma rede capaz de apanhar tudo, é forte como as raízes do cipreste e suave como a espuma do atole.
Que não te apanhe desprevenida a melancolia minha neta, ainda que tenhas o coração despedaçado ou os ossos frios com alguma ausência. Não deixes que a tristeza entre em ti com o teu cabelo solto, porque ela irá fluir em cascata através dos canais que a lua traçou no teu corpo. Trança a tua tristeza, dizia. Trança sempre a tua tristeza.
E na manhã ao acordar com o canto do pássaro, ele encontrará a tristeza pálida e desvanecida entre o trançar dos teus cabelos…"
Registo da antropóloga Paola Klug, Fotografia tirada na Nicarágua por Candelaria Rivera, do ensaio fotográfico: "Amor de Campo"

3 de fevereiro de 2015

Eu ontem fui dormir todo encolhido, agarrando uns quatro travesseiros e chorando bem baixinho bem baixinho, baby, pra nem eu nem Deus ouvir. Fazendo festinha em mim mesmo como um neném, até dormir. Sonhei que eu caía do vigésimo andar e não morria. Ganhava três milhões e meio de dólares na loteria e você me dizia com a voz terna, cheia de malícia, que me queria pra toda vida. Mal acordei, já dei de cara com a tua cara no porta-retrato. Não sei por que que de manhã, toda manhã parece um parto. Quem sabe, depois de um tapa eu hoje vou matar essa charada. Se todo alguém que ama, ama pra ser correspondido; se todo alguém que eu amo é como amar a lua inacessível, é que eu não amo ninguém. Não amo ninguém. Eu não amo ninguém, parece incrível! Não amo ninguém e é só amor que eu respiro.”
Cazuza.

Que sentimentalismo barato. Mas o rosto dela, de Tina, parecia mais de 10 mil filmes de felicidade. Nunca havia visto coisa igual. Teve que se munir de uma couraça de ferro e apertar o estômago, os pulmões e os olhos pra não chorar.

C.B.

28 de janeiro de 2015

'Faço-me então aqui presente...
Muito embora tenha sido uma satisfação perversa brindá-la com esta eterna espera, mantendo-me rigorosamente ausente. '
'Você o sabe... Não haver portas era não sofrer o terror da passagem.'

27 de janeiro de 2015

Tudo o que mais nos uniu separou
Tudo que tudo exigiu renegou
Da mesma forma que quis recusou
O que torna essa luta impossível e passiva
O mesmo alento que nos conduziu debandou
Tudo que tudo assumiu desandou
Tudo que se construiu desabou
O que faz invencível a ação negativa
É provável que o tempo faça a ilusão recuar
Pois tudo é instável e irregular
E de repente o furor volta
O interior todo se revolta
E faz nossa força se agigantar
Mas só se a vida fluir sem se opor
Mas só se o tempo seguir sem se impor
Mas só se for seja lá como for
O importante é que a nossa emoção sobreviva
E a felicidade amordace essa dor secular
Pois tudo no fundo é tão singular
É resistir ao inexorável
O coração fica insuperável
E pode em vida imortalizar

Composição: Eduardo Gudin e Paulo Cesar
https://www.youtube.com/watch?v=Ys88GppoXR8#t=29
"É no orvalho das pequenas coisas
 que o coração encontra sua manhã e se sente refrescado."

 Khalil Gibran
"O tempo é como um encantamento. A gente nunca tem o quanto imagina."
"Mas você passou. E esta é a sua recompensa. E a dele."

10 de dezembro de 2014

"Hoje tá tão bonito que até parece que vou pegar avião
Hoje tá tão bonito que até parece que vou ver você meu bem
Está tão tão tão bonito que nem sei o que vou fazer
Acho que vou fazer as unhas
Acho que vou fazer café
Acho que vou fazer tudo tudo tudo aquilo que a gente é." - Paulo Leminski

21 de novembro de 2014

A mulher e seu passado

Ela conta a história de uma freira que a atormentava no internato, em seu tempo de menina; de um homem que a fez viver longamente entre o desespero e o tédio, a revolta e a humilhação. E fica meio magoada porque a tudo eu sorrio, porque eu não pareço participar do sentimento com que ela fala contra essa gente que passou. Afinal ela também sorri: "Você é meu amigo ou amigo da onça?"

Sou seu amigo. Mas rico ri à toa, e eu me sinto vertiginosamente rico porque essas histórias, alegres ou tristes, ela me conta de mãos dadas, junto de mim. Digo-lhe isso; mas não lhe confesso que aprovo e abençôo todas as coisas e pessoas que povoaram seu passado, e tenho vontade de dizer:

"Benditos teu pai e tua mãe; benditos os que te amaram e os que te maltrataram; bendito o artista que te adorou e te possuiu, e o pintor que te pintou nua, e o bêbedo de rua que te assustou, e o mendigo que disse uma palavra obscena; bendita a amiga que te salvou e bendita a amiga que te traiu; e o amigo de teu pai que te fitava com concupiscência quando ainda eras menina; e a corrente do mar que te ia arrastando; e o cão que uivava a noite inteira e não te deixou dormir; e o pássaro que amanheceu cantando em tua janela, e a insensata atriz inglesa que de repente te beijou na boca; e o desconhecido que passou em um trem e te acenou adeus; e teu medo e teu remorso a primeira vez que traíste alguém; e a volúpia com que o fizeste; e a firme determinação, e o cinismo tranqüilo, e o tédio; e a mulher anônima que te vociferou insultos pelo telefone; e a conquista de ti por ti mesma, para ti mesma; e os intrigantes do bairro que tentam te envolver em suas teias escuras; e a porta que se abriu de repente sobre o mar; e a velhinha de preto que ao te ver passar disse: "moça linda..."; bendita a chuva que tombou de súbito em teu caminho, e bendito o raio que fez saltar teu cavalo, e o mormaço que te fez inquieta e aborrecida, e a lua que te surpreendeu nos braços de um homem escuro entre as grandes árvores azuis. Bendito seja todo o teu passado, porque ele te fez como tu és e te trouxe até mim. Bendita sejas tu."

13 de novembro de 2014

"Desinventar objetos. O pente, por exemplo. Dar ao pente funções de não pentear. Até que ele fique à disposição de ser uma begônia. Ou uma gravanha. Usar algumas palavras que ainda não tenham idioma." Manoel de Barros


A gente bem que podia desinventar a morte e dar a ela funções de não matar. Até que ela ficasse à disposição de ser vida. E não uma saudade.

10 de novembro de 2014

“Em síntese, é preciso se entregar para o amor. Se o amor é a seiva da vida, é o amor que está te conduzindo; é ele que está te dando o comando. Ele está quebrando os seus apegos e controles para que possa voltar para ele. Ele está acordando o amor que pulsa em você. Mas, há que se ter certa coragem para amar; há que se ter certa coragem para essa entrega. Reze por ela, peça por ela. Peça ao princípio universal do amor que te dê força e firmeza para seguir os comandos que vêm dele.”

4 de novembro de 2014

Essa incapacidade de atingir, de entender, é que faz com que eu, por instinto de… de quê? procure um modo de falar que me leve mais depressa ao entendimento. Esse modo, esse “estilo” (!), já foi chamado de várias coisas, mas não do que realmente e apenas é: uma procura humilde. Nunca tive um só problema de expressão, meu problema é muito mais grave: é o de concepção. Quando falo em “humildade” refiro-me à humildade no sentido cristão (como ideal a poder ser alcançado ou não); refiro-me à humildade que vem da plena consciência de se ser realmente incapaz. E refiro-me à humildade como técnica. Virgem Maria, até eu mesma me assustei com minha falta de pudor; mas é que não é. Humildade com técnica é o seguinte: só se aproximando com humildade da coisa é que ela não escapa totalmente. Descobri este tipo de humildade, o que não deixa de ser uma forma engraçada de orgulho. Orgulho não é pecado, pelo menos não grave: orgulho é coisa infantil em que se cai como se cai em gulodice. Só que orgulho tem a enorme desvantagem de ser um erro grave, com todo o atraso que erro dá à vida, faz perder muito tempo.
 
 Clarice Lispector, no livro “A descoberta do mundo”. Rio de Janeiro: Rocco, 2008 
amar é verbo cuja conjugação
nos pede
repetir
repetir
repetir
até aprender a ser
pele

repetir
até vir a ser
pão
repartido

repetir
até construir
a paz
inédita


Ehre
Como se a gente tivesse obrigação de fazer alguma coisa toda noite. Só porque é sábado. Essa obsessão urbanoide de aliviar a neurose a qualquer preço no fins de semana, pode? Tenho vontade de dizer nada, não vou fazer absolutamente nada. Só talvez, mais tarde, se estiver de saco muito cheio, tentar o suicídio com uma-dose-excessiva-de-barbitúricos, uma navalha, um bom bujão de gás ou algo assim. Se você quiser me salvar, esteja a gosto, coração.
 
 
Caio Fernando Abreu.
No vácuo de mim eu me despenco. Porque seria preciso também abdicar de mim mesmo para novamente reconstruir-me. Tornar a escolher os gestos, as palavras, em cada momento decidir qual dos meus eus assumir. Já esfacelei meu ser, já escolhi as porções que me são convenientes, esquecendo deliberado as outras. E são elas - serão elas? - que agora se movimentam revoltadas, pedindo passagem em gritos mudos, na ânsia de transcender limites, violentar fronteiras, arrebentando para a manhã de sol.
 
 
Caio Fernando Abreu.  
Com aquela cara de homem fingindo estar interessado no papo de uma mulher apenas porque está com vontade de comê-la, com aquela cara de mulher costurando e bordando pensamentos apenas porque está a fim de ser comida por ele, cheguei, caprichei, relaxei, lembrei tudo que tinha aprendido em Kant e Hegel, repassei toda a teoria dos quanta, a morfologia dos contos de magia de Propp, o vôo do 14-bis, cheguei e não perdoei:

— Tem fogo?

Leminski

aí uma amiga lê e diz: tudo é sexo!